A face vilã do jornalista


No post anterior tratamos da figura do jornalista herói, defensor da sociedade. No artigo "O jornalista como personagem de cinema" (.pdf) a professora Isabel Travancas, diz que "o herói identifica-se com os valores do mundo público e defende a verdade, a democracia, o bem comum. Nesse sentido pode-se dizer que o jornalista surge como o herói urbano do século XX. Não é à toa que Clark Kent, o Superhomem - é jornalista".

Mas o jornalista não é retratado no cinema apenas como o herói. Outro estereótipo que divide o espaço com a figura heróica nos neswspaper movies é o vilão. Personagem sem caráter capaz de sair do anonimato a qualquer preço e que não hesita em passar por cima de outras pessoas para conseguir um furo de reportagem.

Na pesquisa "As Multifaces do Jornalista-Herói no Cinema: Uma Análise de A Montanha dos Sete Abutres e Todos os Homens do Presidente" (.pdf), Nicole Fajardo Leão afirma que "a principal imagem do jornalista identificada no cinema é a de um mercenário, profissional sem instrução, mas extremamente ambicioso, muitas vezes bêbado".

O filme que vamos analisar neste post é "A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole)". Lançado nos EUA no ano de 1951, o filme de Billy Wilder foi duramente criticado e ignorado pela imprensa na época. Mas hoje, é considerado um clássico do cinema americano.




(Cenas do filme "A Montanha dos Sete Abutres" - em inglês)

O jornalista Charles Tatum é inescrupuloso e busca reconhecimento e fama a qualquer preço. Em entrevista ao Profissão em cena, Isabel Travancas considera que "ele é visto como um vilão por colocar o furo e seu sucesso profissional acima de tudo. E nesse caminho, pisa em quem estiver na frente, manipula o que for necessário e até coloca em risco a vida de uma pessoa."

No filme, o jornalista, frustrado com um emprego em uma cidade pequena sem grandes acontecimentos, se depara com um fato inesperado: um homem soterrado. Para fazer do fato um acontecimento de relevância nacional, Tatum utiliza vários artifícios para atrasar e tornar um circo o resgate de Leo Minosa.

Como o próprio repórter diz no filme: "Eu não faço as coisas acontecerem, só escrevo". Realmente, Tatum não foi o responsável pelo acidente de Minosa, nem o matou soterrado, mas fez de tudo para adiar o salvamento, o que ocasionou a morte da personagem.

Isabel Travancas afirma que o público recebe bem os dois modelos de jornalistas tratados aqui no blog: herói e vilão, uma vez que são modelos reafirmados pelo senso comum. Para ela, "como todos os seres humanos, os jornalistas são complexos, tem contradições e ambiguidades". Entretanto em filmes, principalmente comerciais, os padrões nem sempre são rompidos e os modelos questionados.


Confira abaixo a entrevista com a professora Isabel Travancas.

Profissão em cena: O personagem Tatum pode ser considerado um vilão?

Isabel Travancas: Ele é visto como um vilão por colocar o furo e seu sucesso profissional acima de tudo. E nesse caminho, pisa em quem estiver na frente, manipula o que for necessário e até coloca em risco a vida de uma pessoa.


É comum que os filmes retratem jornalistas como heróis, e isso contribui para a construção social positiva sobre a profissão. Como você acha que o público recebe a figura de um jornalista de caráter duvidoso?

O cinema faz parte da indústria cultural e é uma produção simbólica das nossas sociedades complexas. O que ele expressa na tela está em relação direta com a sociedade. No caso da ficção, ela é uma representação da realidade e nos filmes analisados uma representação do jornalista. Estas representações estão na sociedade, não vieram de Marte. Por isso fazem sentido e são compreendidas. Assim acredito que o público recebe com uma certa "naturalidade" estes dois modelos de jornalista, porque eles são modelos presentes e muito reafirmados pelo senso comum.

Como a construção simbólica do jornalista (como a busca incessante por um furo e reconhecimento/fama) feita no cinema influencia no exercício da profissão na realidade? E até que ponto a realidade da profissão influencia nesta construção simbólica nas telas?

Talvez ela possa influenciar na escolha da carreira para alguns jovens. Quanto à realidade, ela é também fonte de inspiração para esses filmes. Eles vão buscar a rotina dos jornalistas e muitas vezes são escritos por ex-jornalistas.

No seu artigo você afirma que o cinema trata o jornalista como o responsável por todo o bem ou todo o mal. Como o jornalista pode ser representado de maneira mais próxima da realidade, sem um estereótipo extremista? É possível que um personagem seja construído com todas as suas facetas?

Como todos os seres humanos, o jornalistas são complexos, têm contradições e ambiguidades. Seria bom se o cinema pudesse trazer para as telas esses lados todos. Mas nem sempre é possível. Alguns filmes conseguem fazer isso melhor do que outros. E isso acontece com várias profissões. Não é exclusividade dos jornalistas. Romper com padrões e modelos nem sempre é fácil, principalmente em filmes mais comerciais.


Pedro Nunes e Samanta Nogueira

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